Breve vida sacerdotal, breve vida salesiana, mas um grande modelo de salesiano: Pe. Ernesto José Alberto Manuel, salesiano de Dom Bosco, falecido em Luanda ao 26 de maio de 2022, encarregado da comunidade religiosa e educativo-pastoral de Kalakala.
de P. Martin Lasarte (Provincial dos Salesianos de Dom Bosco em Angola)
Estes dias, e particularmente no dia do seu funeral ficamos impressionados pelas inumeráveis manifestações de afeto de parte dos bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, e uma grande multidão de leigos: educadores, mamãs, jovens em geral. Agradecemos a Deus, de quanto carinho e amor somos destinatários.
No meio da dor, temos experimentado a grande verdade, de que quando um salesiano sucumbe no seu trabalho pelas almas é um grande triunfo para a Congregação. De fato a figura do nosso amado irmão é um património indelével da nossa Visitadoria. Obrigado querido Pe. Ernesto pelo dom da tua pessoa nas nossas comunidades e na missão.
Quem era o Pe. Ernesto Manuel
Humanamente é difícil aceitar o que vivemos; é muito difícil saber ler com o coração terreno a gramática de Deus, mas o Senhor tem muito a nos dizer mediante a chamada do Pe. Ernesto.
V iveu pouco, com apenas 10 meses de sacerdócio; morre com 35 anos e a dois dias do seu aniversário. Falece muito jovem, assim como Nosso Senhor, com os seus trinta e poucos anos. Assim como Ele, a sua vida e o seu ministério foram breves, mas foi uma vida rica e fecunda. Assim como foi breve a vida de São Domingos Sávio, vivida na simplicidade e no cumprimento do dever. Foram vidas plenas e fecundas, pois eram vidas cheias de Deus; vidas capazes de inspirar no futuro.
Nesse corpo frágil, com apenas uns 50 kg, se escondia uma vontade de ferro, uma grande força de Deus, assim como nos ensina S. Paulo: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte (2Cor 12,9-10).
O seu lema era: “Pela graça de Deus, sou o que sou, e a graça que me foi concedida, não foi estéril” (1Co 15,10). Certamente que a graça não foi estéril na sua vida. A graça de Deus foi muito fecunda na sua existência. Basta ler os inumeráveis testemunhos recebidos de diversas pessoas e particularmente dos seus irmãos salesianos, que nos manifestam esta vida fecunda da graça de Deus.
Como Dom Bosco nasceu num lar simples e humilde, marcado pela agricultura, o duro trabalho e a austeridade. Como o nosso pai, experimentou as dificuldades e sacrifícios para sair adiante na vida. Desde pequeno percorria diariamente 10 km para ir à escola de Cassualala, desde o seu bairro, Bom Destino, no km 34, junto do rio Lucala. Na sua infância, além das primeiras letras, aprendeu o sentido da responsabilidade, da constância e da dedicação sacrificada para realizar a sua vocação. Ele partilhou a mesma vida desses centenas de milhares de crianças, da nossa Angola, que percorrem cada dia longas distâncias a pé para ter acesso à educação.
Também, no seio de sua família, rica de valores cristãos, aprendeu a amar Jesus e a segui-lo. Aos 13 anos recebeu o batismo e dois anos depois, o crisma, na paróquia NS do Rosário em Dondo. No ano 2006 inicia a tua aventura vocacional quando entrou no aspirantado de Viana, onde começou, sem pausa, um crescimento humano e espiritual na casa de Dom Bosco: Viana, Dondo, Namaacha, Palanca, Benguela, Yaoundé (Camarões), são lugares onde a sua vocação foi-se forjando e fortalecendo até desabrochar na sua entrega em Kala-kala.
Algumas ‘virtudes’ de P. Ernesto
O diretor de Yaoundé, que tanto o apreciava, dirá: “Passei um ano muito rico com ele, sobretudo pela sua maturidade, pelas suas convicções de vida cristã e religiosa; pela sua simplicidade e disponibilidade e tantas outras coisas belas na sua vida. O seu testemunho era um discurso vivente, de modo que os irmãos o chamavam afetuosamente “Fidelidade”.”
Os inumeráveis testemunhos dos irmãos, e de tantas pessoas que o conheciam e o admiravam, revelam muitas virtudes de P. Ernesto. Enumero só algumas:
-Vida de sacrifício. O seu viver foi Cristo, por isso a sua vida se identificava com a d’Ele, na sua doação pelas pessoas, no abraçar a Cruz. Doente, e com os pés inchados, ia pelas noites a procurar alguns jovens que saíam sem aviso da Cidadela; nunca se lamentava das dificuldades, nunca procurava o que fosse mais cómodo e agradável, senão aquilo que a missão requeria dele. Por causa do Reino de Deus caminhava, visitando as comunidades, por vezes sem alimentar-se. Era proverbial a sua austeridade e espírito de pobreza. O trabalho exigente e perseverante era uma caraterística de sua personalidade. Nunca estava de mãos cruzadas, mas sempre fazendo algo útil para os outros.
– Humildade e simplicidade. Nada de mais longe do nosso irmão, qualquer coisa que possa ser semelhante à vaidade, ao orgulho, à aparência. Todo o seu ser era impregnado de uma profunda e natural humildade. É difícil encontrar uma fotografia dele, pois escapava a qualquer coisa que o colocasse em evidência. Fazia tudo com simplicidade pelo Senhor e nunca para ser visto ou considerado. A sua forma de vida era austera e essencial. O seu espírito de pobreza brilhava. Tudo o punha com transparência em comum com os seus irmãos.
– Fraterno. Numa primeira impressão, o Pe. Ernesto dava a impressão de alguém sério, distante e exigente, mas aos poucos percebia-se o seu afeto, a sua fraternidade e o seu delicado sentido de família. Procurava com afinco que todos sejam “um”. Construir um verdadeiro ambiente fraterno não é fácil, por isso ele lutava, enfrentava sem medos os conflitos, com tudo aquilo que não favorecesse um ambiente educativo e verdadeiramente fraterno. Ele rejeitava qualquer tipo de populismo que o levasse apenas a procurar agradar os outros, mas não a construir uma comunidade no amor e na verdade.
– Fidelidade. Não em vão os seus irmãos pela sua fidelidade assoluta a Dom Bosco e à Regra de Vida, assim como pelo seu espírito austero e até pela aparência física o batizaram de “Dom Rua”, o nosso beato, primeiro sucessor de Dom Bosco. Também, como escutamos, em Camarões, chamavam-no irmão “fidelidade”. Que bela e importante virtude! num mundo assim frágil nas suas opções, instável, líquido e sem compromissos autênticos. A sua fidelidade não nascia dum espírito rígido, mas era a consequência de ter construído a sua vida sobre a Rocha, que é Cristo e na consequente coerência ao Evangelho. Era uma fidelidade nos pequenos empenhos de cada dia, assim como diante dos grandes desafios, mas sobretudo era uma fidelidade Àquele que o chamou: por isso a oração era o seu alimento diário.
– Fogo apostólico. Os nossos jovens de Kala-kala e particularmente os cristãos das comunidades dos bairros Augusto, Honga Yambua, Camassa experimentaram o seu fogo apostólico, o seu zelo em atender as comunidades, visitando cada casa, cada doente, lançando iniciativas para a catequese, para os grupos juvenis. Em qualquer momento estava disponível. O seu zelo pastoral o levava a trabalhar em comunhão com o seu pároco e com os outros evangelizadores, mas nunca sozinho. Quanto tem experimentado os jovens de Kalakala o seu zelo feito de exigência, paciência, escuta, carinho e acompanhamento. A caridade pastoral que é um único movimento de amor para com Deus e os jovens animou a vida do nosso irmão e esta é caraterística mais brilhante do nosso espírito salesiano.
No ‘jardim salesiano’
Ernesto foi enterrado no campo santo ‘salesiano’ de Dondo, como uma semente colocada em terra, para que dê muito fruto. E os frutos já começaram a crescer e se manifestar. Esta preciosa flor veio da primeira obra salesiana de Angola, nasceu duma família com valores cristãos.
Muito obrigado, terra de Dondo, terra do Bom Destino, obrigado aos seus pais, Delfina e José, por este fruto precioso oferto a Deus e à juventude.
Nestes anos nos temos perguntado: “Quais salesianos precisam os jovens de hoje?” Simplesmente posso dizer: que sejam como o Pe. Ernesto.
Desejando compreender a gramática divina, que dificilmente pode-se ler com a mentalidade humana, penso que Deus nos está a falar bem forte a todos, aqui presentes e particularmente a nós salesianos de Dom Bosco. Não basta crescer em número de irmãos, não bastam as construções e os projetos. O Senhor quer de nós a qualidade evangélica da nossa vida. Quer que o maior dom que possamos oferecer aos jovens e ao Povo de Deus seja a santidade. Penso que Deus chamou o nosso irmão para o colocar de modelo para nós mais velhos e para as novas gerações: modelo de caridade pastoral, humildade, simplicidade, fraternidade, fidelidade e radicalidade evangélica.
Deus nos grita através da sua vida e da sua morte, de modo que:
– Não há tempo que perder,
– Não pode haver lugar para a mediocridade,
– Não pode existir em nós algum tipo de ambiguidade,
– Não deve existir coisa difícil ou algo que não possa ser sacrificado pela missão,
– Não há tempo para vaidades e superficialidade de vida,
– Não há tempo para perder,
A urgência e radicalidade do Reino nos interpela. Ou somos santos ou somos nada. Essa santa impaciência e radicalidade evangélica as viveu Ernesto
(resumo tirado da Carta aos Irmãos Salesianos)