Dom Tirso

No dia 22 de fevereiro Dom Tirso deixou de trabalhar nesta terra para continuar a ‘trabalhar’ para nós lá no céu. Todos estamos agradecido pela sua obra missionária em Angola, mas sobretudo os fieis da Diocese de Luena. Agora alguns amigos abriram uma página na internet com este título: “Santo Jesus Tirso Blanco”

de P. Martin Lasarte (Provincial dos Salesianos de Dom Bosco em Angola)

Jesus Tirso Blanco, nasceu em Ramos Mejía, na província de Buenos Aires (Argentina), aos 03 de Junho de 1957, sendo seus pais, Jesús Blanco e Palmira Martínez. A sua casa estava a 50 metros de um colégio salesiano. Aos seis anos entrou na casa de Dom Bosco para não sair mais. Ele narrava que quando tinha sete ou oito anos, recebeu um presente singular: a madrinha do seu irmão deu-lhe três livros com texto e bandas desenhadas: a vida de São João Bosco, a vida de S. Francisco Xavier, padroeiro das missões, e um livro de aventuras em África. Ele lembrava-se destes livros e até de certos detalhes, que dificilmente as crianças recordam; todos os livros foram premonitórios: de facto, tornou-se salesiano de Dom Bosco e missionário e em África.

1. A sua vocação salesiana

Perto dos nove anos, tal como Dom Bosco, sentiu o desejo de ser sacerdote, quando estava a fazer a 4ª classe. Cedo teve que superar algumas dificuldades do aspirantado, pois a mãe o considerava ainda muito pequeno para tal experiência. Segundo o seu testemunho, o primeiro amadurecimento vocacional foi por volta dos 15-16 anos: dava catequese e era animador no oratório numa capela de um bairro periférico de Buenos Aires. O contato com as crianças e os adolescentes despertava nele o desejo de dedicar a sua vida por inteiro e sem reservas a eles.

No final do ano de noviciado fez a sua primeira profissão no dia de São João Bosco: 31 de Janeiro de 1976. Os anos do pós-noviciado foram decisivos, pois teve que “tocar” de perto uma realidade muito dura. Havia uma grande favela onde passava os fins de semana e interiormente vivia lá o resto dos dias da semana: jovens entregues à bebida, num ambiente violento, pobre, com famílias desestruturadas, mas ao mesmo tempo com outros jovens tentando viver uma vida plena, segundo o Evangelho. O padre que trabalhava lá era como um pai para Dom Tirso. Procurava encontrar na filosofia e demais estudos a resposta a essa situação desde a fé: meditava, rezava e estudava com verdadeira paixão.

Ver a transformação desses jovens era para ele a verificação da pedagogia salesiana e da ação de Deus na vida deles. Mais tarde, já estudando teologia, ficou, como Dom Bosco quando visitava as cadeias de Turim, profundamente impressionado pela situação desses jovens: todos entre 18 e 21 anos, com histórias familiares tão difíceis, que parecia impossível que pudessem sair do buraco; entretanto como Deus é grande, muitos daqueles jovens recuperaram o sentido das suas vidas, e hoje são pessoas de fé; até alguns deles se ofereceram, depois, para serem voluntários em Angola.

Outra experiência que marcou os seus anos como estudante de teologia foi a organização de uma nova paróquia, que devia começar do zero, num grande bairro. Assim se organizou uma missão, se envolveram muitas pessoas da zona; assim surgiram grupos, comunidades, capelas… às vezes como cogumelos. (…)

O estudante de teologia, Tirso, não era o modelo tradicional de seminarista, junto com um grande zelo pastoral se somava um pouco de rebeldia, orgulho, teimosia e contestação, dando uma boa de dor de cabeça aos seus formadores; mas tudo isso ajudou-o a amadurecer a sua fogosa vocação apostólica. Ao final, Deus sempre escreve direito, embora tenhamos algumas linhas tortas.

Assim que, nessa intensa formação teológica e fortemente pastoral, o nosso jovem foi ordenado sacerdote ao 07 de Novembro de 1985, na cidade de Buenos Aires, enquanto o futuro Papa Francisco era reitor de um estudantado na mesma cidade (no bairro San Miguel).

2. A sua vocação missionária

A experiência pastoral entre os jovens mais carenciados estava a gerar dentro do seu coração novas fronteiras: as missões. A Congregação Salesiana no final dos anos ‘70 lançou o maior projeto missionário do pós-concilio Vaticano II: o ‘Projeto África’. Neste projeto confiou-se a todas as províncias salesianas do mundo uma parte de África, para onde seriam enviados missionários. À Argentina lhe correspondia Angola. Quando o jovem salesiano Tirso fez a carta solicitando a ordenação sacerdotal também manifestou o seu pedido para ir às “missões”. Queria deixar tudo, até a sua terra, para se colocar em total disponibilidade aonde o Senhor o enviar.

Quando chegou a Angola, já tinha passado por muita coisa: cadeias, organização de comunidades, catequese, grupos juvenis, acompanhamento de jovens com problemas de marginalização, droga, prostituição, alcoolismo; construção de capelas … Aos 28 anos pensava que tinha vivido muito… Mas o que o Senhor tinha reservado para ele apenas começava.

3. Chegada à sua amada Luena

(1986-1988 vigário) – (1988-1991 diretor)

Segundo indica o seu passaporte: aos 03 de abril de 1986 chega a Luanda. Ele relata numa entrevista: Quando cheguei a Angola tinha como destino o Luena. Os policiais me perguntaram: ‘Você sabe para onde vai?’. Assim fiquei sabendo que Luena, palco de frequentes operações militares, não era um bom lugar para se viver. Mas para mim foi o melhor ambiente para encontrar Deus na missão, em comunhão com um novo povo que imediatamente me adotou como membro de sua família”.

Luena foi o seu primeiro e último amor missionário. Era uma nova cultura, um novo modo de viver a fé. Era tempo de guerra, de muitos sofrimentos, mas os missionários viviam muito unidos e próximos às comunidades cristãs, aos jovens. Habituado a um contato fácil com a juventude, logo viveu uma amizade simples e profunda com jovens e leigos da sua idade. Partilhava a vida com os catequistas que tanto tinham sofrido pela sua fé. O jovem padre missionário diz que estes homens lhe deram lições de como viver o Evangelho neste contexto. Também no meio das dificuldades da guerra e das rusgas, os jovens povoavam a sua vida.

Nesta paróquia, Pe. Tirso, impulsionou uma vibrante pastoral juvenil, promoveu as vocações para a vida sacerdotal e religiosa e dinamizou, nas zonas periféricas, várias Pequenas Comunidades Cristãs, dando grande protagonismo não só aos catequistas, mas ao próprio conselho de cada comunidade.

O seu lema sacerdotal era “Tudo posso naquele que me conforta”. Esse lema ajudou-o a afrontar com serenidade e firmeza tantas situações limite.

4. Fundador de N’Dalatando

(1992-1994 pároco-diretor)

Depois foi destinado para abrir a nova presença em N’dalatando, no bairro da Kipata: Paróquia Maria Auxiliadora. Como se diz, “Saiu da panela para cair no fogo”. De fato ficou com a sua comunidade dois anos isolado nessa cidade, que o povo chamava de “cativeiro”. Foi um tempo para esperar contra toda a esperança.

Nesta comunidade, dedicada a Nossa Senhora Auxiliadora, o jovem missionário aprendeu a sentir com maior força a presença de Maria, como nosso auxílio. Confessa que sempre experimentou a sua proteção no meio de tantos perigos: do próprio coração, das bombas, das perseguições, de todo mistério de mal que está a nossa volta. A sua passagem pela capital do Kuanza Norte, marcou-o para sempre nesta filiação afetuosa e confiante em Maria.

5. Estudos em Roma

(1994 -1996 missiologia e comunicação)

Saindo do “cativeiro” de N’dalatando, foi enviado a Roma para melhor se preparar para a missão. Pe. Tirso fazia dois cursos paralelos: Missiologia e Comunicação Social; e tudo em apenas dois anos. Ele queria o quanto antes voltar para Angola, aos seus jovens, ao seu povo que realmente o “cativou”. Também argumentava que queria concluir velozmente os seus estudos para fazer poupar dinheiro à Inspetoria que o enviava. Concluiu brilhantemente os estudos em dois campos que sempre o apaixonaram: Levar a todos Jesus, e a arte de o comunicar.

6. Paróquia São Paulo e Delegado da Pastoral Juvenil

(Vigário 1996-1999 Delegado da PJ)

Regressando, para Luanda, lugar onde era mais pacífico, sem muitos corre-corre da guerra, acabou sendo um dos momentos mais dinâmicos, até vertiginosos da vida do nosso missionário. Assumindo o serviço pastoral de vigário na paróquia de São Paulo, dedicou-se de corpo e alma à juventude mediante uma explosiva Pastoral Juvenil. Estava encarregue da Pastoral Juvenil da paróquia, passando a Delegado da Pastoral Juvenil Salesiana para Angola.

Neste âmbito, fez maravilhas: semeou muito e muito recolheu. Aqui podia acompanhar os processos de uma Pastoral Juvenil que crescia de forma diferente do interior, pois a contínua guerra destruía o pouco plantado. Nestes anos foi onde mais experimentou a alegria da predileção pelos jovens do nosso pai Dom Bosco.

Todo o seu dia era marcado com reuniões de jovens, grupos de jovens, produção de revistas para jovens, passeio com jovens, acompanhamento a cada jovem, acampamentos, oficinas… e muita paternidade e amizade para com eles. A sua vida era plenamente para eles.

7. Paróquia de São José no Sambizanga

(Diretor 2000-2006)

Como diretor na comunidade de São José continuou com esse dinamismo juvenil, envolvendo à juventude. Mas aqui, na “Lixeira”, junto com uma animada comunidade salesiana e muitos leigos comprometidos, deu vida a uma enormidade de iniciativas pastorais e de promoção humana.

Pensemos em todas as comunidades que foram nascendo: Em Boa Vista, Guanhá, Oscar Ribas, Trilhos, Mabubas, Roque 1, Roque 2, Roque 3 (como os filmes de Rambo 1, 2, 3…), tendo cada centro uma vibrante vida cristã de catecumenado, oratórios, grupos juvenis, movimentos apostólicos. Espalha-se o método Dom Bosco de alfabetização, pelo qual milhares de jovens, adultos, mamãs, aprendem a ler e escrever, potencia-se a formação profissional; desenvolve-se, com a colaboração de corajosas irmãs o posto médico de Cefas, com as suas sucursais nos bairros; começa-se a tomar corpo a rede de crianças e adolescentes em risco, dando atenção às crianças perdidas ou abandonadas, os CIC (Centros de Infância Comunitários) e outras iniciativas similares.

Mas o seu grande orgulho, foi a monumental escola Dom Bosco levantada no meio do Sambizanga, como um monumento à esperança, ao futuro que pode oferecer uma boa educação. Por lá passaram (e continuam a passar) milhares de crianças, adolescentes, jovens e adultos para lutar a grande batalha que vale a pena combater: a ignorância e o analfabetismo.

Nesses anos frenéticos, cheios de projetos, construções, atividades aprendeu a viver o valor infinito da Eucaristia. Na sua piedade eucarística, Padre Tirso reconheceu que quando é bem celebrada, ao longo dos anos, no contato pessoal com Cristo nos vai fazendo dar pequenos passos para melhorar o modo natural de ser, superar os rancores, viver uma caridade mais sensível e autêntica. Confessava que se ainda era padre, o devia em primeiro lugar a Jesus Cristo que lhe foi mostrando o seu amor ao longo de todos esses anos e a presença dos jovens, que foram como a sarça ardente, o lugar onde Deus se manifestou e se manifestou para ele.

8. Vigário inspetorial

(2006-2008 Delegado da PJ)

Após a Lixeira, ter-se-á dedicado a tempo inteiro para animação da Pastoral Juvenil na Visitadoria e no Secretariado Nacional da Pastoral da Juventude de Angola. Aqui manifesta-se a sua febril atividade como editor e comunicador: Revistas como Espaço Jovem, Smash; preparação de retiros juvenis, acampamentos, peregrinações, material para a educação afetivo sexual dos adolescentes e jovens, itinerários para a formação dos jovens; a difusão da alfabetização, dos direitos humanos, a animação do voluntariado e tantas outras atividades de ressonância nacional enchiam a sua criatividade e tempo.

Por outro lado, como vigário inspetorial, era o primeiro colaborador do Inspetor, ajudando a governar e animar a recente Visitadoria ‘Mamã Muxima’, nascida no ano 2000. Foi um tempo mais livre, de apoio às comunidades salesianas, e para levar a frente os projetos da PJ. Também, foi ainda um tempo que lhe permitiu de acompanhar melhor o Secretariado Nacional da PJ.

9. Bispo de Luena

(2008-2022)

Foi nomeado bispo de Lwena, por Bento XVI, a 26 de Novembro de 2007 e no dia 02 de Março de 2008, é ordenado bispo, sucessor dos apóstolos, para a imensa diocese de Luena. A província de Moxico é a província angolana de maior superfície (223.023 km2), mas talvez aquela com menor proporção de católicos e, sem dúvida, uma das regiões mais pobres e esquecidas do país.

A diocese após a sua ordenação episcopal em 2008 não era a mesma que nos tempos de guerra 1986-1991. Agora, embora com dificuldades pode-se visitar todo o território, implantaram-se novas congregações religiosas, mas continuam as grandes necessidades materiais e espirituais de um povo que passa por tantas dificuldades e privações.

Ele dizia que precisou de um tempo para parar, para rezar, para compreender. Muitos pensavam: “Agora é bispo, subiu, subiu!” … Subiu aonde? E confessava, que não tinha experiência do que é ser bispo, que não foi preparado para isso, que nem sonhou, nem almejou alguma vez ser bispo, aliás, tudo o contrário.

Ele considerava o episcopado, como um grande dom, e para recebê-lo era preciso esvaziar-se de si, da vontade pessoal, para ser de Cristo, deixar que Ele seja Senhor da nossa vida, dos nossos desejos, imaginações, da nossa vontade, “para que tudo seja feito em nome do Senhor Jesus”. Esse é um grande mistério que não conseguia expressar com palavras, mas que sentia como o seu caminho vocacional pessoal. Antes de tomar posse da diocese, comentava que sentia a urgência que primeiro fosse Cristo a tomar posse do seu coração.

Como bispo, sentia-se plenamente salesiano, embora não dependesse de um superior e cessassem as obrigações para com a Congregação: o amor e dedicação aos jovens, o modo salesiano de educar e de fazer perceber a caridade, expressa na frase “estuda de te fazer amar”.

Certamente que sendo bispo surgiram elementos novos: ser pai de uma grande diversidade de carismas, as responsabilidades em relação com a Igreja Católica como um todo, a ‘esposa’-diocese, entre outras coisas.

Ele tinha alguns modelos de bispos: considerava a São João XXIII um grande modelo. O seu itinerário espiritual, relatado no seu “Diário íntimo” como simples e profundo, indica ao mesmo tempo indica um trabalho espiritual profundo que faz quem quer seguir a Deus: não basta “ser bom”. As qualidades do santo que mais o cativavam, eram a sua simplicidade, a sua bondade, a sua humildade e simpatia que nasciam apenas naturalmente, mas que eram fruto de um trabalho interior, da graça de Deus e do empenho pessoal. Esse livro ajudou-o a elaborar o seu “projeto pessoal de vida” acompanhado de uma direção espiritual séria.

Outro grande modelo de bispo foi São Francisco de Sales, o bispo de Genebra, pela sua caridade tão particular, feita bondade, compreensão e também firmeza; era também um ‘pesquisador’ dos caminhos da vida espiritual para cada pessoa, um mestre de santidade.

A figura de Dom André Muaca, foi outro significativo modelo: era um homem livre, ponderado, que sentia na pele os sofrimentos do povo e tinha um coração de pastor invejável.

Apenas começou como bispo, quis promover um Sínodo diocesano, de modo a ter um horizonte para o qual todos juntos pudessem caminhar e trabalhar. Desse sínodo (2008-2016) surgiram algumas linhas pastorais que procurou com decisão e dedicação implementar.

Um grande objetivo foi constituir comunidades cristãs em todo o território, de modo que para isso era necessário de ter um clero local consistente e instalar mais missionários/as em todas as localidades onde não existissem.

10. Até ao último suspiro

Toda sua dedicação e trabalho não era o fruto do ativismo, mas da mística da ação, da caridade pastoral, que levou a dizer a Dom Bosco “Prometi a Deus que até meu último suspiro seria para os jovens”.

Esse último suspiro, para Dom Tirso, foi no dia 22 de fevereiro de 2022, às 20.15 horas, em Negar (Verona – Itália), aos 64 anos de idade. Vinha lutando contra um cancro maligno de pâncreas e pulmonite bilateral. Permaneceu no hospital de Negrar desde Agosto do 2021 até o dia em que o Senhor o chamou a sua morada. Ele tinha feito do quarto do hospital um novo paço episcopal, de modo que com o seu computador e telefone continuava a governar e a animar a sua diocese.

O dia antes de partir, me escreveu preocupado pelas ordenações sacerdotais na sua diocese, e ao final me confessava: “Estou no fim”. Outras pessoas também receberam nestes últimos momentos, mensagens deste grande trabalhador. O mesmo núncio apostólico, horas antes de sua morte falou com Dom Tirso. Nosso bispo ainda preocupado pela vida da diocese dialogou com Dom Giovanni e lhe enviou documentos para a diocese.

Verdadeiramente se entregou ao Senhor e à missão até ao último suspiro.

Esteve nestes últimos momentos, para o acompanhar e confortar, Dom Nambi, bispo de Bié, e o Pe. Víctor Sequeira, salesiano. Poucos dias antes, o Pe. Waldemar (diretor da comunidade dos Pobres Servos que acolheu Dom Tiso em Negrar, ndr) lhe tinha administrado o sacramento da unção dos doentes. E nesse, o último dia do seu peregrinar, o Pe. Víctor lhe deu a bênção de Maria Auxliliadora. Concluída a bênção, foi nos braços da Mãe para a eternidade.

(resumo tirado da vida de Dom Tirso)

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